Dúvidas sobre os pecados veniais e mortais


Por força de algumas dúvidas que me incomodam sobre a necessidade de conhecer a matéria de pecado para configurar a gravidade deste, fiz uma questão numa lista católica e obtive resposta de dois doutos amigos de lá. Como bem lembrou um amigo (J. Roberto), Nosso Senhor, através de uma parábola, ensina em Lucas 12:41-48 que quanto maior o conhecimento maior será a cobrança.


Abaixo, transcrevo a minha pergunta e as respostas que obtive para proveito de todos.

Pergunta:

Tenho uma pequena dúvida decorrente do meu pouquíssimo conhecimento teológico. Com certeza vocês poderão me ajudar. A minha irmã me fez essa pergunta noutro dia e eu fiquei com dificuldades para responder...

Uma das condições para que o pecado seja considerado mortal me parece que seja o conhecimento. Ou seja, preciso saber que se trata de um pecado grave. Caso contrário, minha culpa seria atenuada. Também é certo que o pecado mortal afasta da amizade de Deus pondo em risco à salvação. Já o pecado venial, embora tenha consequências espirituais negativas não chega a separar da amizade do Senhor.

A pergunta, que pode parecer um tanto banal é: não seria melhor deixar a pessoa na ignorância com o fim de evitar que ela cometa pecado mortal? Se ela não souber que se trata de matéria grave, pecará mais "levemente" e não precisará responder por pecado mortal. O Compêndio de Moral Médica (estou sem ele aqui comigo no momento) diz em algum lugar que se deveria evitar instruir um paciente terminal sobre a natureza grave de pecados que ele cometeu se não houver esperança grande de que ele venha a se confessar. Me parece que a instrução do doente, neste caso, estaria causando mais mal do que bem, visto que ele ficaria mais "seguro" com seus pecados veniais.

E daí segue ainda um dúvida um pouco maior: uma pessoa batizada que não tenha conhecimento suficiente da doutrina da fé e da moral (o que é bem comum em nossos dias) nunca irá cometer um pecado mortal? Ou seja, ela poderia pecar "livremente" somente porque não tem conhecimento e, por conseguinte, somente cometeria pecados veniais?

Não sei se fui suficientemente claro mas acho que deu para entender a(s) dúvida(s)...

Grande abraço a todos.

Em Cristo,
Ricardo.


Resposta do amigo Jorge Ferraz, do excelente blog Deus lo Vult


Ricardo,

Salvas raríssimas exceções bem pontuais, a "matéria grave" dos pecados
mortais resume-se aos Dez Mandamentos. É assunto, então, cuja ignorância
não se pode ordinariamente escusar. Em outras palavras: se o sujeito não
sabe [mais] que é errado matar, ele está sendo tão displicente com a
formação da própria consciência que o simples fato dele não saber disso já
é pecado mortal. É urgente tirá-lo desta ignorância que o vai levar ao
inferno!

Além disso, todo cristão tem obrigação de se instruir nas coisas sagradas e
de trabalhar pela própria salvação. Se a pessoa não faz isso, ela também
está cometendo pecado mortal (talvez pior ainda, pecado contra o Espírito
Santo, por ter presunção de salvar-se sem méritos, sem se esforçar para
tanto). Se alguém não sabe, p.ex., que precisa ir à missa aos domingos,
esta pessoa pode até não estar pecado mortalmente por faltar a uma missa
específica, mas é pior: ela está ordinariamente em estado de pecado mortal
porque ignora voluntariamente o básico do Catecismo (ou porque acha que
isso "não importa", ou por qualquer outro motivo).

O doente a quem seja contada a natureza grave de pecados que ele cometeu
pode perturbar-se e desesperar-se desnecessariamente. Se ele não sabia que
era grave quando o cometeu, o pecado foi venial. Você contar para ele na
cabeceira do seu leito de morte não "transforma" o pecado passado em pecado
mortal. Apenas vai afligir o moribundo, e por isso que não se conta.

Uma "pessoa batizada que não tenha conhecimento suficiente da doutrina da
fé e da moral" corre o mesmo risco: o de perder o estado de graça não
n'algum pecado concreto que cometa, mas o de perdê-lo por não saber sequer
que ele existe. Descuidar da própria salvação é pecado gravíssimo. Todo
mundo tem obrigação de se instruir na religião, e está pecando quem não o
faz.

Dietrich Von Hildebrand dizia que a amoralidade é ainda pior do que a
imoralidade, e exemplificava isto falando sobre o sexo. Um sujeito que sabe
que o sexo extra-conjugal é errado e o pratica uma vez mesmo assim, mantém
aberta a possibilidade do arrependimento. Um sujeito que ache que é tudo
"normal" e trata o sexo como se fosse algo banal está privado da
possibilidade mesma de levar uma vida ordenada, está numa situação muito
pior do que o primeiro. Pecar é uma tragédia, mas chamar "o mal de bem e o
bem de mal" é muitíssimo pior e quem faz isso é muitíssimo mais miserável,
uma vez que sequer sabe precisar de misericórdia.

E achar que não precisa de Misericórdia é pecado contra o Espírito Santo.

Abraços,
Jorge

Resposta do amigo Sérgio Menezes:

Salve Maria, Ricardo.

Realmente essa é uma questão interessante. Certa vez ouvi alguém dizer: "quando fazemos apostolado, é preciso tomar cuidado para não aumentar a culpa do apostolando que a gente percebe que não vai se converter..."

A questão me parece semelhante com a das crianças batizadas. Não seria melhor se elas morressem antes de atingirem a idade da razão, ficando assim impossibilitadas de perderem o estado de graça? Se cuidarmos de uma criancinha (batizada) doente, para salvá-la da morte certa, não estaríamos fazendo mais mal do que bem a ela? Claro que não.

Deus quer ser conhecido e, consequentemente, amado. Nosso Senhor mandou que os apóstolos ensinassem o Evangelho, para tirar os povos da ignorância. O nosso dever enquanto criaturas é aumentar a glória (extrínseca) de Deus, e para isso é preciso que Ele seja mais conhecido, para ser mais amado. Deixar uma pessoa na ignorância, por medo que ela, ao saber da verdade recuse-a, é um ato de lesa-majestade a Deus, pois estamos negando a glória que Lhe é devida, que provém de Seu conhecimento por parte das pessoas.

Bem, essa é apenas uma reflexão pessoal minha, que submeto inteiramente a melhor juízo.

AMDG

Sérgio